
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá retomar esta semana o julgamento de um importante tema tributário: a possibilidade de tributação, no Brasil, do lucro de controladas e coligadas no exterior.
Com o objetivo de esclarecer os principais pontos do caso, o JOTA preparou um Perguntas e Respostas sobre o RE 870.214. Confira:
O que está em jogo no RE 870.214, sobre tributação de controladas no exterior?
O RE 870.214 discute a possibilidade de tributação no Brasil dos lucros obtidos por controladas ou coligadas localizadas no exterior, mesmo que esses lucros não tenham sido efetivamente distribuídos à empresa brasileira controladora. Os ministros decidirão se a cobrança de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) contraria tratados internacionais que têm por objetivo evitar a bitributação.
O julgamento envolve a constitucionalidade do artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001, que determina que lucros de empresas controladas no exterior, independentemente de distribuição, sejam tributados no Brasil no momento em que forem apurados pela controlada estrangeira.
O RE começou a ser analisado em maio de 2024, mas foi suspenso por três pedidos de vista. O processo, que está em julgamento por meio do plenário virtual, será retomado entre os dias 6 e 13 de junho, com voto-vista do ministro Nunes Marques.
No caso concreto, a Vale pretende afastar a incidência de IRPJ e CSLL sobre o resultado de coligadas e controladas da empresa na Bélgica, na Dinamarca e em Luxemburgo, países com os quais o Brasil possui tratado para evitar a bitributação. Assim, na visão da mineradora, seria evitada a dupla tributação — quando a mesma atividade de um contribuinte é tributada por dois países diferentes.
Qual o impacto financeiro do julgamento?
A Receita calcula um risco fiscal de R$ 22 bilhões em caso de derrota, de acordo com dados da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025. Fontes próximas ao tema, porém, estimam que o impacto possa ser maior. Isso porque um resultado favorável à Vale, a depender da redação, pode abrir espaço para que a companhia tente recuperar R$ 32 bilhões relacionados à tese que foram parcelados pela estatal.
Apesar de constar como parte no processo, a Vale não possui débitos relacionados à tese do lucro de controladas no exterior. A companhia optou por incluir as dívidas — inclusive as debatidas no RE 870.214 — em um refis. Além disso, tomou como regra a tributação dos lucros no Brasil, apesar dos tratados para evitar a bitributação.
Qual o placar no STF? E quais posições foram apresentadas até agora?
O placar está em 2×1 pela possibilidade de incidência do IRPJ e da CSLL. O relator, ministro André Mendonça, posicionou-se contrário à tributação e entendeu que a matéria é infraconstitucional por envolver a aplicação de normas como a legislação tributária e os tratados internacionais, e não a Constituição. Defendeu por estabelecer, assim, a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região como a final.
O magistrado também entendeu que o Brasil possui tratados com os países que abrigam as controladas da Vale — Dinamarca, Bélgica e Luxemburgo — contra a bitributação e que a aplicação do artigo 74 da Medida Provisória agiria em desacordo com tais compromissos. Ainda, afirmou que afastar os efeitos previstos no artigo 7º do modelo de convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) pode frustrar os contribuintes que estruturaram suas operações a partir da legislação e da interpretação sobre ela vigentes.
Gilmar Mendes pediu vista e, na retomada da votação, abriu a divergência com posição desfavorável aos contribuintes. Citou precedente do STF (RE 541.090) que entendeu ser constitucional tributar na empresa brasileira os lucros de sua controlada no exterior, considerando que esses lucros pertencem à companhia nacional. Assim, defendeu a possibilidade de computar como acréscimo patrimonial positivo da empresa os lucros auferidos pelas controladas.
O ministro Alexandre de Moraes seguiu a posição expressa por Gilmar Mendes.
As demais instâncias serão obrigadas a aplicar a decisão do STF?
Não. O processo não tem repercussão geral reconhecida, o que torna sua observância não obrigatória pelas demais instâncias do Judiciário ou pela esfera administrativa. Contudo, o governo acompanha o caso de perto pelo relevante precedente a ser formado a partir do julgamento, além da expectativa de que um resultado favorável à Vale possa abrir espaço para que a companhia tente recuperar valores relacionados à tese que foram parcelados pela estatal.
Ao contrário da Vale, diversas empresas optam por não tributar o lucro de controladas no Brasil, e por isso são alvo de autuações recorrentes. Um exemplo é a Petrobras, que discute valores bilionários relacionados à tese.
Qual a posição do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre o tema?
O Carf tem historicamente posição favorável à tributação nesses casos, inclusive na Câmara Superior, que é a instância máxima do tribunal administrativo. A decisão tomada pelo STF no RE 870.214, porém, não será de observância obrigatória pelos conselheiros. O Carf somente é obrigado a seguir decisões tomadas em recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou em repercussão geral pelo STF.
Qual a expectativa para o julgamento?
Fontes próximas do processo aguardam que um pedido de vista suspenda a análise do recurso novamente. A percepção é de que alguns ministros devem querer mais tempo para analisar a matéria “até que os entendimentos estejam mais maduros”.
Fontes tanto do lado dos contribuintes quanto da Fazenda acham difícil apontar uma tendência, já que quase não existem posicionamentos anteriores dos ministros sobre a matéria. Entretanto, pela relevância do precedente que será formado, as partes ligadas ao caso não estão economizando esforços no convencimento dos integrantes do STF.
Por parte dos contribuintes, as últimas semanas foram intensas, com despachos nos gabinetes em Brasília. Já por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o sentimento é de otimismo com uma possível decisão do STF favorável à tributação. No ano passado, o próprio ministro da Fazenda Fernando Haddad passou no gabinete de ministros do STF para alertar sobre o risco desse processo. Ao JOTA , uma fonte da procuradoria destacou que a Fazenda deverá seguir “no trabalho de convencimento dos ministros”.
O acompanhamento próximo de ações com impacto aos cofres públicos nos tribunais superiores têm sido uma marca desde o início do governo Lula. O objetivo desta gestão da PGFN é evitar que venha do STJ ou do STF uma decisão que importe em um dispêndio extraordinário aos cofres públicos, a exemplo do que ocorreu com a tese do século (ICMS na base do PIS/Cofins).
No STF, a tendência tem sido de, nos casos de decisões favoráveis aos contribuintes, modulação dos efeitos dos posicionamentos. Isso gera uma alteração no momento a partir do qual o entendimento passará a valer, muitas vezes impossibilitando a restituição de valores recolhidos indevidamente no passado pelas pessoas físicas ou jurídicas.
Atualmente, os ministros têm 90 dias para apresentar seu voto depois de pedir vista. Fica a cargo do presidente da Corte, então, pautar novamente o caso. Do ângulo dos contribuintes, o pedido pode ser positivo por dar mais tempo para enviar memoriais, marcar audiências e tentar demonstrar o essencial no caso para os ministros. O calendário judicial também deve ser levado em consideração, já que há recesso no mês de julho e o pedido adiaria a conclusão para o segundo semestre.